POR MARIA LUISA BARROS
Rio - Eles driblaram a violência e uma vida de carências. Venceram o preconceito que teima em excluir pela raça, pela deficiência e pela pobreza. Paulo, Wallace, Vanderlei e Hugo são exemplos de vida para 6,3 milhões de jovens que estão nas universidades brasileiras, o dobro de uma década atrás. Estímulo para jovens do Rio, estado que tem o segundo maior índice de reprovação no Ensino Médio do País. E uma lição para 46% dos estudantes que não concluem esse segmento.
Após anos a fio debruçados sobre pilhas de livros, conquistaram salvo-conduto para uma vida sem discriminação. Paulo Rangel, 50 anos, se tornou, em 2010, o primeiro promotor negro do Ministério Público nomeado desembargador do Tribunal de Justiça pelo governador. Ex-porteiro das Casas Pernambucanas, publicou seis livros e fala três idiomas: inglês, italiano e espanhol. “Não sou gênio. Só estudei mais”, ensina o professor da Uerj, aprovado em 1º lugar no concurso.
'Fui vítima de preconceito racial, o que só me fortaleceu', Paulo Rangel, desembargador do TJ, 50 anos | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Wallace Martins, 29 anos, resistiu à guerra do tráfico na favela da Grota, onde foi morto o jornalista Tim Lopes, e se tornou engenheiro. Fez doutorado pela UFRJ e comprou um apartamento para os pais que se mudaram do Complexo da Penha para Olaria. “Sem eles não teria chegado até aqui”, agradece o jovem que leciona no Cefet.
Assim como o pesquisador da Coppe, o professor doutor em História da América Latina, Vanderlei Vazelesk Ribeiro, 42 anos, recebeu dos pais operários a força de que precisava para superar a cegueira que o acompanha desde o berço e sobreviver no elitizado mundo acadêmico. “Na universidade muitos não me queriam nos trabalhos em equipe”, recorda o mestre, aprovado em oito concursos sem reserva para deficientes. No da Rural, ficou com a única vaga, disputada por mais cinco candidatos. Na última seleção conquistou cadeira de professor doutor na UniRio, onde trabalhou na juventude como ascensorista. “Tinha certeza de que um dia voltaria numa situação melhor”.
Hugo Rodrigues dos Santos, 24 anos, ex-morador do Complexo da Maré, ainda sob domínio do tráfico, também foi o primeiro de sua família a chegar à universidade. “Minha mãe é auxiliar de serviços gerais e meu pai, que já faleceu, era caminhoneiro”, conta o técnico em edificações. Cálculos do pesquisador Marcelo Neri mostram que quem tem curso superior — mesmo que ainda não o tenha concluído — tem salário 327% maior que quem nunca frequentou escola: “Nos desculpem os céticos, mas educação é fundamental”.
Ex-morador da Maré que construiu novo futuro
Hugo viu no curso técnico para pedreiro do Senai a chance de um futuro melhor. Das obras do PAC no Complexo do Alemão para a faculdade de Engenharia Civil foi um pulo para o jovem, que pretende saltar ainda mais longe. “Quero gerenciar grandes obras”, sonha o jovem, que concilia o trabalho como instrutor do Senai com as aulas do 1º período de Engenharia. A ascensão social de jovens como Hugo é reflexo do aumento da escolaridade dos brasileiros. De 2000 a 2010, o total de pessoas sem instrução ou com o fundamental incompleto (1º ao 9º anos) caiu de 65,1% para 50,2%, enquanto o de jovens com superior completo subiu de 4,4% para 7,9%.
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